Usar ou não microfones do tipo shotgun para locução
Interessante a polêmica que esse tema gera entre profissionais do áudio, mais especificamente da voz, pois vemos de tudo: alguns nem fazem ideia porque não usar, outros não admitem a possibilidade de uso (muito poucos), e outros ainda não trocam seu boom por nenhum outro microfone, mesmo dentro do estúdio ou cabine acústica; muitas vezes medindo não mais que 1m × 1m. É certo que trata-se de um tema com alguma complexidade técnica, além das relacionadas aos microfones “comuns”. Então, vamos entender alguns pontos importantes sobre o funcionamento desses microfones e das polêmicas sobre o seu uso entre quatro paredes.
O microfone
Qualquer microfone é um transdutor, ou seja, transforma ondas sonoras em sinal elétrico equivalente. Em analogia, o alto-falante, que também é um transdutor, faz exatamente o contrário: transforma sinal elétrico em som.
Devemos estar cientes de que gravar a nossa voz da melhor maneira possível pode parecer algo muito simples, mas fica melhor quando agregamos conhecimento técnico. Saliento que uma captação mal feita dificilmente poderá ser corrigida por meios eletrônicos ou processamento digital, porém, quando bem feita, provavelmente nada será necessário acrescentar para alcançar um ótimo resultado sonoro.
Se você quiser conhecer um pouco mais sobre o microfone e seu princípio de funcionamento, seja do tipo dinâmico ou condensador, leia a publicação: https://www.flaviokranic.com.br/single-post/2017/04/11/microfone-conhecendo-melhor-a-sua-ferramenta-de-trabalho
Shotgun, boom ou lobar
Os microfones do tipo shotgum também são conhecidos como boom ou lobar. Eles possuem um tipo específico de padrão polar (o diagrama polar é a ilustração da direcionalidade dos microfones), pois sua sensibilidade é ainda mais estreita e direcional do que os de padrão hipercardioide graças a um artifício acústico de cancelamento de fase que ocorre em um tubo posicionado antes da cápsula. O nome shotgun é coerente com o seu comportamento super preciso e direcional, assim como sua aparência é semelhante ao de uma espingarda.
O nome Boom se refere à longa haste presa ao microfone posicionado acima das pessoas. É comum que os profissionais de audiovisual utilizem a palavra “boom” para se referir ao microfone em si, ou mesmo à estratégia de captação de som, daí a famosa pergunta: “vamos usar boom ou lapela?”.
Já lobar tem um fundamento mais técnico, pois refere-se ao lóbulo projetado no diagrama polar que representa a sua melhor área de captação sonora.
Acústica do ambiente de gravação
Considerando que qualquer profissional da voz já tenha um ambiente acusticamente adequado para as suas gravações, ao menos uma cabine acústica ou um cômodo da casa em que o ruído não seja uma constante e que esse ambiente tenha elementos para absorção e difusão das médias e altas frequências, faixas em que as espumas acústicas e afins atuam, ele já tem o seu "estúdio" de gravação; porém as baixas frequências também merecem toda atenção, mas não são tratáveis de forma tão simples quanto com espumas coladas nas paredes (um capitulo à parte).
Para saber um pouco mais sobre cabines e ambientes de gravação veja essa outra matéria no link: https://www.flaviokranic.com.br/single-post/2017/07/25/que-tipo-s-de-cabine-vocal-voc%C3%AA-precisa
O melhor lugar na sala
O melhor lugar para você estar com seu microfone dentro do estúdio é longe de qualquer superfície sólida e lisa que possa refletir as ondas sonoras de volta para o microfone, que é tudo o que não queremos. Para captação de voz o mais comum é o microfone do tipo cardioide, distante da boca em cerca de 20 centímetros. E qual o melhor posicionamento dessa dupla microfone/orador dentro da sala? Tente estar, no mínimo, 3 vezes mais distante de qualquer superfície lisa que a sua boca está da cápsula do microfone.
Na prática, uma vez que você esteja posicionado para gravar com o microfone à sua frente, se esses “espelhos acústicos” estão dentro do seu campo de visão periférica, significa que o microfone, que está com a cápsula direcionada para você, não vai captar o som refletido de maneira significativa, pois essa reflexão está alcançando apenas a parte traseira ou lateral-traseira do microfone, que são pontos de baixa sensibilidade. Para melhorar essa condição é interessante que atrás de você tenha elementos acústicos para absorver e/ou espalhar qualquer sobra de voz ou ruído ambiente para serem atenuados e não voltarem diretamente para o microfone.
Outra dica é testar a possibilidade de trabalhar com a cápsula do microfone um pouco acima da sua boca e apontada para baixo para minimizar a captação das reflexões horizontais e superiores (o que também ajuda a reduzir os pufs e as sibilâncias). Nunca esqueça que em áudio todo teste é bem-vindo, então experimente várias opções!
Microfone superdirecional do tipo shotgun
Agora sim, e se utilizarmos um microfone shotgun? Sabendo que se trata de um microfone extremamente direcional, que possui sua maior sensibilidade em um estreito ângulo de abertura à frente, haverá um limite na liberdade de movimentos para o profissional da voz que, como sabemos, usa o seu corpo como ferramenta de performance expressiva.
O princípio de funcionamento deste microfone, é diferente dos outros unidirecionais, seja cardioide, supercardioide ou hipercardioide, apesar de utilizar alguma de suas cápsulas, posicionada no fundo do tubo de interferência de fase ou simplesmente tubo de interferência. Esse tubo possui várias ranhuras de diferentes impedâncias acústicas (propriedade física que descreve como um material ou sistema resiste à passagem das ondas sonoras). Quando a fonte sonora (vamos considerar aqui o narrador) está posicionada em frente ao microfone as ondas chegam à cápsula sem qualquer interferência. Quando o som vier de trás, a 180º, ele será rejeitado conforme o padrão polar da cápsula instalada no tubo, que varia, teoricamente, de infinita para o padrão cardioide, -12 dB para o supercardioide e -6dB no caso do hipercardioide.
O som que chega pela lateral terá suas ondas penetrando pelas ranhuras do tubo alcançando a cápsula com atrasos diferentes em função da distância da ranhura até a cápsula. Quanto menor essa distância, maior a frequência que sofrerá interferência de fase, assim, conforme a frequência vai baixando a eficiência direcional do microfone também diminui até não ter mais efeito algum, o que explica porque nas faixas de frequência média para baixo o microfone shotgun se comporta como um microfone direcional comum (conforme a figura polar da cápsula utilizada), pois o tubo de interferência não tem comprimento suficiente para afetar essa onda. Assim, o alcance de menor frequência a sofrer perturbação no tubo depende do comprimento de ambos, do tubo e da onda. Como exemplo, para rejeitar um som de 200Hz só o tubo de interferência precisaria ter quase 90 cm de comprimento!
Dentro de um estúdio de gravação, como dito antes, presume-se que exista algum tratamento acústico que atenuará as médias/altas e altas frequências, exatamente aquelas em que o tubo de interferência também atua. Se fosse uma sala sem tratamento acústico o que aconteceria com esse áudio? Sofreria “colorações” indesejadas - principalmente no caso de quem trabalha com a voz e espera a maior fidelidade possível de sua gravação. O efeito é semelhante ao de um filtro pente ou comb filter, você já ouviu falar? O resultado é que esse efeito gera picos e vales nas ondas das várias frequências que compõe a voz em função de cancelamentos e reforços periódicos nessas frequências, imprimindo um efeito metálico e artificial à voz mudando suas características e até reduzindo a clareza e a inteligibilidade. Esse é o motivo para não utilizar microfones do tipo shotgun entre quatro paredes.
Mas, e nas condições acústicas de um estúdio, teremos problemas? Até que ponto o tratamento acústico de um estúdio de voz é válido para esse tipo de microfone? Bom, sempre digo que vale testar, principalmente agora que entendemos o funcionamento diferenciado deste tipo de microfone e estamos mais prevenidos do que possa vir a acontecer com a nossa gravação. Sem contar que os ruídos que eventualmente vierem de fora poderão ser rejeitados, o que é positivo, mas lembre-se, apenas os ruídos de frequências mais altas.
De toda forma vale reforçar que um microfone superdirecional como o lobar são os que mais restringem os movimentos do artista que não terá muita liberdade, ainda mais com uma distância de captação tão pequena. Alerto e enfatizo que o profissional terá seu espaço de atuação super-reduzido, o que, se for extrapolado vai, naturalmente, prejudicar a qualidade da gravação dessa voz; a não ser que ele consiga trabalhar movimentando-se muito pouco.
Finalizo com uma pesquisa de valores de alguns dos microfones que apareceram com mais frequência na minha pesquisa sobre o uso do shotgun em estúdio e outros indicados como sendo os mais adequados para gravação em ambientes internos.
Obs.: cotação via internet, atualizada no dia 06/12/2024, de microfones encontrados na B&H de Nova Iorque (já que muitos deles não são encontrados no Brasil com facilidade). Valores em dólares americanos.
Atenção para a constante variação dos valores de um dia para outro, então fique atento quando for comprar o seu.
Neumann TLM 103: $1,195.00 cardioide (referência de qualidade e popularidade entre profissionais da voz)
Sennheiser MKH 416-P48U3 Shotgun: $799.00
Sennheiser MKE 600 Shotgun: $244.00
Sennheiser MKH 50 supercardioide: $1,399.00
Sennheiser e 614 supercardioid: $169.99
Audio-Technica AT897 Shotgun: $249.00
Audio-Technica AT4053b Hypercardioid: $699.00
Audix SCX1-HC Hypercardioide: $629.00
AKG C1000 S cardioide/hypercardioid: $249.00
Synco Mic-D2 Shotgun: $169.00
Rode NTG3b shotgun: $699.00
Agradeço a você por me acompanhar até aqui. Espero que as dicas e alertas apresentados chamem a sua atenção positivamente. E, se possível, comente o que mais lhe agradou nesta abordagem. Ou, caso contrário, não deixe de apresentar o seu ponto de vista, pois é isso que faz a gente melhorar e buscar por novos temas.
Que didática genial!! Parabéns e muito obrigada!!